MUNDO JURÍDICO

Portaria 620: controvérsias e fragilidades à luz do princípio da legalidade

Recém-editada, a Portaria 620, de 1º de novembro, vai dar o que falar no mundo jurídico e abre um novo capítulo na já exaustivamente debatida obrigatoriedade de vacinação.

Antes de falar propriamente do seu conteúdo, é necessário apresentar ao leitor qual o conceito de uma portaria e para o que ela se destina. Trata-se de ato administrativo proveniente de alguma autoridade pública, contendo instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral, normas de execução de serviço, nomeações, demissões, punições ou qualquer outra determinação da sua competência.

Como visto, é ato administrativo com objetivo de orientar as ações de servidores, em especial quanto à fiscalização no cumprimento de normas ou leis que afetem sua competência de atuação.

No entanto, do ponto de vista do Direito do Trabalho, é lugar comum o debate sobre algumas portarias ou instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho, que acabam por invadir competência exclusiva do Poder Legislativo, extrapolando, assim, sua finalidade e legalidade.

Parece-nos que é o caso dessa portaria do Ministério do Trabalho, que, mesmo sendo bem-intencionada, acaba por criar mais tensões e dúvidas para as relações de trabalho.

A referida norma proíbe a exigência de comprovante de vacinação no ato da contratação, no curso da relação de emprego e como meio para desligar, por justa causa, um empregado por não apresentação do referido comprovante.

Porém, se a intenção for evitar desligamento por causa do comprovante de vacina, a redação do §2º do artigo 1º apenas se refere às dispensas por justa causa, logo, aquelas dispensas sem justa causa não permitiriam ao empregado buscar reparação de seus direitos por suposta dispensa discriminatória.

No seu artigo 3º, a referida portaria estabelece que, com a finalidade de assegurar a preservação das condições sanitárias no ambiente de trabalho, os empregadores poderão oferecer aos seus trabalhadores a testagem periódica que comprove a não contaminação pela Covid-19, ficando os trabalhadores, nesse caso, obrigados à realização de testagem ou a apresentação de cartão de vacinação.

Isso significa, na prática, que se a empresa oferecer testagem periódica para garantir um ambiente de trabalho seguro, poderá exigir o comprovante de vacinação dos empregados que se recusarem a fazer os testes, em sentido oposto ao que estabelece os §1º e §2º, que consideram as exigências de testes ou comprovantes de vacinação como ato discriminatório. Tais situações deveriam estar mais detalhadas na portaria para evitar dúvidas na sua execução.

As dúvidas não param por aí. Muitas empresas, atendendo às normas regulamentadoras do próprio Ministério do Trabalho, possuem em seus programas de controle de saúde médico ocupacional (PCMSO) a exigência de apresentação de comprovante de exames específicos e/ou complementares, sendo certo que a portaria não contemplou exceções.

E não é só! A portaria editada pelo Ministério do Trabalho está em sentido diametralmente oposto à outra portaria vigente expedida pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 597/2004), que, em seu §5º, estabelece, para efeito de contratação trabalhista, que as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária, estabelecidos nos Anexos I, II e III dessa portaria.

A Portaria 620/2021, contudo, não faz qualquer menção àquela norma estabelecida pelo Ministério da Saúde, criando, com isso, um caminho tortuoso e nebuloso para o tratamento dos casos em questão.

Por fim, a portaria ainda assegura direito aos danos morais e cria a faculdade para o empregado escolher se quer ser reintegrado com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais. Ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais — o que, por certo, não pode ser objeto de uma portaria, já que se trata de matéria de competência exclusiva do Poder Legislativo.

Mais uma vez o Ministério do Trabalho gera desconforto para as relações entre empregado e empregador, criando normas por meio de portaria que, no fundo, nascem mortas, por não se revestirem de eficácia plena, diante do princípio da legalidade.

Em síntese, entendemos que essa portaria será bastante combatida pelos operadores do Direito e não deve surtir o efeito que pretendia, pois, além das questões controversas apontadas neste artigo, uma portaria não pode excluir ou criar direito não previsto em lei.


Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico (ConJur). Veja na íntegra

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